sábado, 10 de novembro de 2012

Bilhar Cósmico

Carl Sagan inspirou toda uma geração a pensar em ciência de uma maneira ampla, direta e objetiva. Foi o grande crítico da pseudo-ciência e das formas obscuras de se buscar o conhecimento. Exaltou a busca do conhecimento do Universo como nossa mais ampla e definitiva missão.
Lembro da crítica feroz mas objetiva que fez ao que chamou de bilhar cósmico, uma das teorias completamente sem fundamento que assolou o mundo no século XX. Em Mundos em Colisão, Immanuel Velikovsky (http://en.wikipedia.org/wiki/Immanuel_Velikovsky) descrevia como que colisões do sistema solar teriam sido responsáveis pelos fenômenos descritos nas escrituras.
Basicamente sua "teoria" estabelecia colisões entre os planetas do sistema solar e estas colisões afetavam a Terra justamente em momentos importantes da história humana, do dilúvio ao êxodo as pragas do Egito e muito mais, tudo convenientemente se encaixava.
Este livro vendeu muito e enganou muita gente que acreditou ser esta uma teoria baseada em fundamentos.
Carl Sagan demonstrou a completa fragilidade destas idéias. Não houve este bilhar cósmico. Velikovsky imaginou tudo isso - e acreditava provavelmente em tudo isso. Mas isto não é ciência, pois ele não conseguiu provar de fato o que imaginou. Simplesmente porque era apenas imaginação.
Mas o grande legado deste caso é que a academia passou a refutar teorias que envolvam colisões. A lembrança de Velikovsky e o contundente Carl Sagan impedem qualquer discussão que tenha a descrição de processos que envolvam corpos celestes em colisão. Mesmo com as recentes observações de cometas em colisão com Júpiter, deixando claro que estes fenômenos são corriqueiros no espaço - e muito mais frequentes do que se  imaginava.
Por isso uma teoria que explique a existência de nosso Sistema Solar através da interação de duas estrelas soa tão pseudo-ciência. Pena Carl Sagan já ter morrido, seria uma grande obra a análise pessoal dele sobre esta teoria justamente como um contra-exemplo do fictício bilhar de Velikovsky.

sábado, 3 de novembro de 2012

A Lei de Titius-Bode

O método científico é centrado na experimentação. Fazemos experiências, observamos os resultados e confirmamos ou refutamos uma hipótese. É isto que opõe e complementa ciência e religião. Esta última substitui experiência e observação por intuição, fé e esperança. Mas estas duas formas de conhecimento tem o mesmo objetivo: entender melhor o que é o Universo e o nosso papel nele.
Podemos usar o método científico para muitas coisas na natureza. Podemos experimentar com corpos em queda livre para entender a gravidade. Podemos testar o efeito de drogas em organismos para entender bioquímica. Podemos isolar espécies e analisar cruzamentos para entender genética. O conhecimento científico moderno deve muito a estes experimentos.
Mas não podemos experimentar com o Cosmos. Não dá para manipular planetas, estrelas ou galáxias para ver como se comportam em laboratório. Podemos apenas observar. E observar de um ponto de referência em movimento, num canto de uma galáxia, de um planeta que chamamos de Terra. E para tornar tudo ainda mais desafiador, processos cosmológicos (salvo raras exceções) se desenvolvem lentamente, por períodos que transcendem nossa própria civilização em ordens de grandeza.
Diante de tantas dificuldades, apenas a fome de conhecimento da humanidade garante tantas descobertas sobre o Cosmos. Observar o cosmos é essencial para a aplicação do método científico a esta importante área do conhecimento que é entender o Universo como um todo.
Mas este trabalho incessante de tantos grandes cientistas por séculos nem sempre é perfeito, pelo contrário. Muitas hipóteses que mereciam ser estudadas são abandonadas sem uma explicação, sem uma conclusão. Parece que a academia voltou-se ao complexo e foi abandonando algumas das observações mais simples para o esquecimento. É o caso da Lei de Titius-Bode. Citada pela primeira vez em 1715, surpreendeu toda a comunidade científica por séculos até cair no esquecimento e ser arquivada entre outras curiosidades do passado. É incrível que isto tenha acontecido. Pois justamente esta Lei indica algo importante sobre nosso Sistema Solar.
Mas se a chamamos de “Lei” não significa que tenha sido considerada uma verdade. O termo “Lei” aqui se refere apenas a constatação de que há uma lei aproximada que rege a distância dos planetas ao Sol. Porque é assim, a academia não explica. E prefere tratar apenas como uma coincidência.
A Lei de Titius-Bode mostra que a distância média dos planetas ao Sol segue uma progressão geométrica. A precisão é muito boa entre a série calculada e os dados reais. Mesmo para os corpos desconhecidos na época que a série foi descoberta. Ceres e Netuno se encaixaram na série perfeitamente. Netuno não encaixa mas Plutão e outros planetas-anão sim.
A distância dos planetas ao Sol poderia ser qualquer. Poderiam estar igualmente espaçados. Ou agrupados em conjuntos. A probabilidade ao acaso de haver uma lei de distâncias como esta é, literalmente, astronomicamente muito baixa. Deve dizer algo sobre o Sistema Solar, assim como a distância percorrida por um corpo em queda livre diz algo sobre a gravidade. E este exemplo da gravidade é interessante: primeiro se observou que os corpos caíam a velocidade crescentes, depois que havia uma aceleração constante e finalmente - muito tempo depois - Isaac Newton explica a origem desta aceleração. Pronto, estava descoberto a Lei da Gravidade. Mas ninguém parece ter conseguido explicar os motivos desta série. Então decide-se arquivá-la. Chocante a natureza humana que transparece por trás da Ciência, que deveria ser absolutamente neutra, intelectual e canônica. Quantas outras importantes observações foram rejeitadas quando a academia não foi capaz de entendê-las? Que falta faz Galileu ou Newton nos tempos de hoje.
Mas há uma explicação. Há uma ligação desta distribuição peculiar de planetas em torno de nosso Sol à formação do sistema solar. Mas aceitá-la nos remete a outras idéias igualmente refutadas pelo mesmo motivo da Lei de Titius-Bode ter virado apenas uma curiosidade.

O legado de Dr. José Luiz Junqueira

Dos elementos importantes da minha vida nada supera a experiência que vivi muitos anos atrás, uma lembrança fascinante que se tornou parte do que sou e que supera todas as conquistas que eu viria a ter. Conheci e trabalhei com um Grande Homem da Ciência, um gênio que fez uma descoberta essencial sobre o Universo.
Eu estava presente quando ele redesenhou o que sabemos sobre a formação do Sistema Solar. Mais que isto, vi a genial linha de raciocínio que levou este mesmo mecanismo a uma visão universal sobre a formação de todos os sistemas que conhecemos. Uma idéia tão simples que encantava. Mas uma idéia tão distante das pesquisas atuais da ciência da academia que não obteve o espaço merecido na História. Ainda.
Este homem é o Prof. Dr. José Luiz Junqueira, que ajudei enquanto terminava meu curso de graduação no final da década de 1980. Uma pessoa absolutamente única, excêntrica, genial, bondosa, com raciocínio complexo e veloz, com uma cultura inigualável. Um filósofo da natureza, como muitas vezes se auto-designou.
Ele acumulou uma cultura clássica que o fez resgatar as questões há muito esquecidas pelo pensamento científico da época. E acompanhou muitos dos trabalhos de vanguarda da época. A combinação destes dois fatores o colocou numa fronteira do conhecimento que ele chegou sozinho e que presenteou a todos nós com uma descoberta que resta ainda ser de fato reconhecida pelo mundo. O mundo descobrir Dr. Junqueira será muito mais desafiador do que o Dr.Junqueira descobrir como nosso Sistema Solar surgiu.
Foram anos intensos e inacreditáveis. Eu fui testemunha de grandes momentos desta jornada. Fui chamado por ele para ajudar na computação do modelo que ele suspeitava ter dado origem ao Sistema Solar. Conseguimos rapidamente repetir num computador a criação de um sistema que era literalmente e com uma precisão numérica elevada um sistema de planetas que, para todos os efeitos, era o nosso conhecido Sistema Solar. Todos os planetas estavam lá. E luas e asteróides. Estavam ali características conhecidas e muitas que somente seriam confirmadas depois. Sabíamos mais sobre o passado e sobre o presente do nosso sistema do que os cientistas da época. Mas o mais incrível viria a seguir, quando o Dr.Junqueira habilmente associaria este mesmo mecanismo a formação das estrelas, supernovas, galáxias e até a todo o Universo.
Trabalhar com o Dr.Junqueira foi testemunhar a criação de uma teoria sofisticada mas muito simples - e por isso mesmo tão poderosa. Minha contribuição, dando capacidade de computação para simular estas idéias, mudou a forma de eu pensar sobre tecnologia e ciência e teve profundas influências na minha vida. Não sem menor importância, ter sido orientado por ele num momento tão importante de minha vida fez desta uma experiência transformadora.
Viajei com ele em 1990 para apresentar estas surpreendentes descobertas ao mundo científico. Estivemos em Austin aonde fizemos uma histórica palestra no Departamento de Mecânica Celeste da Universidade do Texas para uma platéia que incluía alguns dos maiores pesquisadores da época. O que deveria durar uma hora se estendeu por uma tarde onde vi a estupefação de uma comunidade inteira diante de uma descoberta que mudaria muitas idéias nas quais se apoiavam nosso conhecimento.
Mas ousar diante da academia, eu descobriria naquele dia, não era possível. E estas descobertas ainda não foram reconhecidas. Sequer foram de fato analisadas com profundidade. Eram idéias inesperadas e que abalariam boa parte da produção científica moderna sobre o assunto. E foi, por isso mesmo, arquivada respeitosamente.
Eu segui minha vida, ao mesmo tempo engrandecido por estas experiências mas também determinado a seguir afastado da academia que, pelo que eu vi, não seria o meu local. E seguindo um sonho de infância - e com todo o apoio do Dr. Junqueira - criei a empresa que dirijo até hoje, duas décadas depois.
Recentemente Dr. Junqueira faleceu. De testemunha, passei a guardião destas descobertas. Ninguém conhece a teoria de Dr. Junqueira como eu. Ninguém viveu aqueles momentos como eu o fiz. Não há homenagem maior que eu possa dar a ele - e maior contribuição à humanidade - do que resgatar e divulgar estas fascinantes descobertas. E um dia, décadas adiante, quando o mérito for dado a ele, terei realizado meu trabalho.
Uma perda imensa para mim, para os amigos e fundamentalmente para a família de Dr.Junqueira que ele tenha partido com apenas 73 anos. Que eu tenha a capacidade de eternizar seu trabalho para que sua vida e sua pesquisa sejam uma contribuição ao conhecimento científico universal.

Maurício Fernandes